NÓS SOMOS O QUE NOS FALTA
( Luciana Santa Rita)
"Não, não chore; nova esperança, novos sonhos, novos rostos. E a alegria
não vivida dos anos que estão por vir vai mostrar que o coração pode enganar o
sofrimento. E que os olhos podem as próprias lágrimas iludir”. (ADDISON, C.
Cruzando o caminho do sol. Novo Conceito: Ribeirão Preto, 2012, p.49)
Epíteto, filósofo grego, pondera que
não devemos pedir que os acontecimentos ocorram como queremos, mas
devemos absorvê-los como ocorrem, pois, assim, a vida poderá ser feliz.
Nesse entendimento, a felicidade implica em aceitar os tropeços, recebendo as
coisas como elas são, aproveitando a premissa de que é necessário deslizar pela
vida, principalmente, quando ela ignora os nossos desejos.
Quando a vida nos falta.
Perante essa concepção filosófica,
seria muito mais racional alterar os desejos do que mudar a ordem das coisas,
não se debelando contra as situações que pouco se importam com o que passa ao
nosso redor. Com bem-aventuranças, as circunstâncias são baluarte apenas de si
mesmas, entram pela vida com uma chave única da porta, configurando na saída a
meditação do nada, como se cada homem fosse só um pária.
Nem sempre há justiça nas relações,
independente da apelação às instâncias máximas. Sentimentos simples podem
ganhar uma condição de destaque se ameaçados de extinção, alcançando um valor
incomparável, mas nem sempre o desprezo, gera atenção da Corte Suprema. Às
vezes, os sentimentos são preciosos por não existirem ou mesmo durarem nos
nossos desejos.
Por um lado, o medo do abandono e da
solidão não impede de não sermos amados por nossos pais, irmãos, amantes e
amigos. E por mais que se lute, agonizando, tentando resgatar uma intimidade
que nunca se teve, o outro continua fingindo, por estar certo, não
por desmerecimento, mas porque não há nada a fazer.
Por outro, erra quem entende que a
negação do que falta, torna invisível a dor, a perda e, talvez, a culpa. Não há
válvula de escape quando o coração tenta enganar o tempo, pois ele nos encontra
onde quer que seja. Esse é o mal de percebemos à vida externa melhor do que a
nossa, rebatendo o drama pessoal, esperando o olhar piedoso para não aprender a
passear sozinho.
Epíteto, mesmo escravo de Epafrodito,
acreditava que felicidade e realização pessoal eram desdobramentos de atitudes
corretas, sendo que desejo e a felicidade não podiam viver juntos. Não
lamentava as injustiças e celebrava os triunfos, sem se preocupar com o apego
ao dia seguinte, permitindo, assim, tê-lo como descaso.
Em sua concepção, da mesma forma que
o desejo vem, ele vai embora, pois as pessoas mudam. E quando o dia acontece,
não temos desculpas para não assumirmos os nossos erros ou vivermos a escuridão
de nossos problemas. Não saber lidar com a nossa própria dor, só,
deposita a esperança fora de nós.
E a relativa liberdade nos permite a
andar devagar, quase parando, esperando que o outro resolva o que é só nosso.
Somos "Alzheimer Familiar", pois no mundo encantado de Bob, queremos
as verdades simples de se suportar, somos defensores do esquecimento benigno da
estátua que chora quando o sol se põe.
Eternos nostálgicos da frase que o
joio se separa do trigo, minimizando o fato de que na vida real, pode existir
só o joio. Mas o dia do acerto de conta da produção sempre chega sob a dor ou a
raiva, e o tempo não se permite a não passar ou atrasar o pagamento, sem
dignidade, mesmo que em breve, esteja esquecido no passado. E, assim, a
amargura do dia longo ser transitório, é tão verdadeira como o fato de não
sermos amados tanto como gostaríamos.
Talvez essa ânsia pelo amor nos
remeta a nossa vulnerabilidade como cantou Renato Russo: [...] Os sonhos vêm e
os sonhos vão. E o resto é imperfeito […]”.Assim, vivemos apavorados com o
que não nos pertence e demonstramos a fraqueza que só nos conduz a novas
indefinições, ignorando o rochedo quando a colisão estar à frente. Quando ela
já não nós pertence. Quando não há freio de mão.
Em certa ocasião, escutei de uma
conhecida que a frase que contempla que é melhor ter amado e perder do que
nunca ter amado, nunca poderia ter sido escrita por aqueles que perderam a quem
amaram. Mas, independente, dos que só amam e dos que apenas são amados, na vida
real é preciso saber perder vantagens e valores para ganhar outras opções de
realidade. Não achar que o correto é pular antes do trem ganhar velocidade.
Já perdi algumas pessoas apenas
porque acreditava no controle sobre os desejos alheios. Rebelava-me porque os
ciclos de humor não eram oriundos da minha intuição, rondava pela toca,
exigindo alegria quando recebia frieza, esperando mais atenção quando recebia
efusão. Achava que tudo girava ao meu redor, inclusive o poder sobre os altos e
baixos externos. Hoje não tenho entusiasmo com a atenção ou entro em pânico na
solidão. Com o tempo ou com os erros, resolvi sair sem sentimentos das
relações.
Aprendi a não ver a ação do outro
como fruto de maldade, mas de uma opção que só não é a minha. E por mais que a
fotografia revele um desejo esperado de perfeição, sigo a instrução de criar
uma blindagem contra o sofrimento, mesmo paradoxalmente sofrendo.
Isso talvez nos enlouqueça, mas só,
assim, enxergaremos nas ações que não são nossas o início da posição de humano
superior em quem verdadeiramente nós somos. Talvez, sejamos tudo e nada, mas
por tão pouco esquecemos que em si mesmo nada somos, que tudo se perde na
imensidão dos milhares, do vácuo da nossa ignorância humana e do fardo da
vantagem de não sermos bobos e por isso vencíveis.
No final, poderemos ser escravos ou
reis, mas, com certeza, o fim dos nossos desejos que se voltam contra o outro
que compete também pela razão de ser e existir. Talvez Deus tenha se esquecido
de nos avisar que não seríamos únicos. E mesmo esgotados emocionalmente,
totalmente exaustos, temos que encontrar uma posição confortável, aceitar que
não há juízo de valor na escolha do outro, mas corroborar com Lord
Byrosn: “O coração será partido, mas continuará vivendo”.
E sem rejeitar o confinamento dos
nossos desejos, ser um bobo, ficar tranquilo, não desconfiar ou desejar, mas
ganhar liberdade e sabedoria para continuar vivendo, sem paranoias como se as
dificuldades que a vida nos apresenta, tivessem sempre um caráter pedagógico.
Não se enganando da pontualidade das circunstâncias e da limitada percepção de
nossa compreensão.
E como Clarisse Lispector diz: “É
quase impossível evitar o excesso de amor que um bobo provoca. É que só o bobo
é capaz de excesso de amor E só o amor faz o bobo."
(*): O título do texto é de uma
frase de Eduardo Portella para apresentação da crônica: "Perfil de ser
eleito" de Clarisse Lispector
Crônica publicada no site O
Pensador Selvagem na Coluna Vida (Navegando no Cotidiano):
http://opensadorselvagem.org/vida-e-estilo/navegando-no-cotidiano/nos-somos-o-que-nos-falta
Visite a autora: Luciana Santa Rita
5 COMENTÁRIOS:
Anne! Mensagem preciosa contida nesse texto. Devagar e simples deve ser a conduta. Assim traz a alegria. Beijos!
Lindo texto e essa é a marca da Luciana que sempre traz além de lindos, reflexivos textos!! beijos,às duas,chica
Anne Lieri
Luciana Santa Rita, nos faz deambular, pelos filósofos. Lemos o poema e fica-se mesmo com asenção; "NÓS SOMOS O QUE NOS FALTA"
Beijos
Simplesmente... maravilhoso este texto!!! Adorei ler... Nós somos mesmo o que nos falta...
Beijos
Lita
Há algum tempo, eu percebi que nem todo mundo nos amará como somos, e há bem pouco tempo, descobri que às vezes, nem aqueles que pensamos nos amar, nos amam. E que precisamos sobreviver a isto, como sobrevivemos a muitas outras coisas.
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