Andam os Lobos sobejos
(Xico Almeida)
Dizem
que são animais bons e que na sua comunidade adoptam as crias orfãs,
alimentam-nas tal como às lobas que dão leite, dividindo sem violência as
presas que capturam, numa partilha orgulhosa. Mas o que perdura na memória,
ainda são os medos.
Vi-os
numa noite de inverno da varanda da casa de meus pais. Lá estavam na mata da
Estrecada, olhos que nem faróis e o tio Domingos, candeeiro de petróleo na mão
a subir a ladeira. Ia ver se a loja onde
pernoitava o rebanho estava bem fechada. Homem intrépido, tal que os lobos
devem tal ter sentido que desandaram.
Agora
que o frio já chegou, traz à lembrança tempos passados, já lá vai quase meio
século, em que eles abundavam nas nossas serranias, terror dos rebanhos, dos
pastores e gentes da aldeia. No pico do frio vestido de chuva, gelo e neve, os
rebanhos eram recolhidos a meio da tarde para prevenir... e na ausência de
presas, esfomeados, eles desciam até Forninhos por caminhos e carreiros.
Desciam por Valongo desde a aldeia da Matela, atraídos pelo cheiro da recente
matação dos porcos, ainda dependurados no chambaril, escorrendo para a
desmancha. Andavam com fome e atrevidos, qual desafio entre homem e animal.
Alertados
pelos intensos latidos e rosnar dos cães, em casa fazia-se silêncio, enquanto
se sentia o cheiro da lareira, fechavam-se as portas e janelas, com medo, medo
esse que por vezes punha as pessoas "sobocadas", arrepiadas e de
cabelos em pé. Ficava-se de atalaia até o uivar feroz do bicho e o seu bater das "castanholas",
fosse desaparecendo, largando a porta bem fechada da loja aonde o porco estava
guardado, e depois deambulava pela aldeia fantasma, pesarosa, amedrontada e recolhida por o
"diabo" a ter invadido, sem medos, afrontando cães e alguns matando -
andavam os lobos sobejos - quer dizer: ousados, atrevidos.
Para
prevenir a vida dos cães, foram adoptadas coleiras pontiagudas ao pescoço, como
no caso do cão do tio Daniel, maior em corpulência que os lobos, mas nunca
fiando!
Tinha
as ovelhas para guardar em Cabrancinhos.
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5 COMENTÁRIOS:
Xico nos encanta com suas recordações tão bem expressas em palavras! abração aos dois,chica
Anne! Um conto e muitos detalhes que nos remetem das histórias infantis às expressões de lobos em peles de cordeiros. Parabéns ao autor. Beijo!
Olá Anne.
Ver aqui coisas da nossa aldeia, Forninhos, terra milenar, deixa-nos embevecidos.
Lá fui ainda agora à vizinha e pequena aldeia de Mosteiro ver a festa do pastor e do queijo e adorei. Homenagem.
Publiquei no blog dos forninhenses, as lindas ovelhas, mas sem lobos...
Foi lindo!
Um abraço.
Eu gosto muito de contos, contos que falam do passado e às vezes como esse de terras distantes, vou lá conhecer o Xico Almeida, sei que encontrarei mais belos contos, beijos Luconi
Querida Anne
Gostei muito do texto.Parecia-me uma Cronica de algo que aconteceu outrora!
Muito bem escrito.
Parabens a si, pela escolha feita e ao autor.
Beijinho
Beatriz
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