(Paula Albuquerque)
Eram de mais respeito e medos, as trovoadas algumas décadas
atrás. Então Maio era terrível, o mês delas.
Guardados por detrás da porta da cozinha, os ramos de oliveira, alecrim e loureiro benzidos no Dia de Ramos, iriam em situação de forte trovoada e no arreigar da fé e crença das tradições das pessoas, servir de protecção.
A árvore da foto é uma oliveira situada num pequeno quintal da
minha mãe frente à sua casa. Foi esventrada há muitos anos por um malvado raio
que num ziguezaguear mortífero a atingiu e rasgou. Tinha eu sete anos de idade
e em conversa pensamos aqui trazer a história deste dia que me marcou.
Curiosamente num dia em finais de Maio e de calor abafado, o
tempo na sabedoria popular previa que "ela" nesse dia viesse, tal
como veio, quase transformando o dia em noite. Em casa estava a minha avó
Maria, a minha mãe Augusta e eu que sempre tapava a cabeça quando ouvia os
trovões, se calhar por a minha mãe me contar que quando tinha a minha idade se
metia dentro de uma saca de serapilheira e pedia à sua mãe para a levar para
uma terra aonde não houvesse trovoadas.
Seguindo um ritual antigo, depressa se acendeu uma pequena
fogueira e a minha avó ordenou à minha mãe que tapasse a aliança de casamento,
já que os dedos com o trabalho do campo não eram fidalgos e o anel não iria
sair. Podia atrair um raio. De detrás da porta tiraram um ramo benzido e pouco
a pouco a minha avó ia deitando pedaços na fogueira enquanto rezava invocando a
santa protectora:
Santa Bárbara bendita
Que no céu estais escrita
E na terra assinalada
Nosso Senhor te reme para bem longe
Lá para Castro Marinho
Onde não haja pão nem vinho
Nem mulher que páre menino
Livrai-nos desta trovoada
Ao lado desta oliveira, tinha o meu pai (que na altura do
sucedido estava ausente) umas rimas de troncos de pinheiros e ramagens dos
mesmos.
Num repente imprevisto pela sua violência, o raio e trovão caem em
simultâneo, "ela" estava ali mesmo por cima de nós e num ápice a casa
começa a ser invadida por um fumo intenso, quase palpável de espesso que era. A
madeira havia pegado fogo e apesar de molhada com tal intensidade que pensamos
a casa estar a arder. Entre o esconder e sair para a rua, a minha avó de idade
avançada, a minha mãe aflita e eu quase criança, alguém ouviu os nossos gritos,
o Lúcio, não me esqueço, que acorreu e lá nos conseguimos arrastar para o páteo
exterior da casa, enquanto gritava "acudam que há fogo". Tocou a
rebate o sino e o povo acudiu em massa com o que tinha à mão, como era apanágio
da entreajuda do povo de Forninhos.
Na semana passada estive lá e olhei para ela, a oliveira,
começava a deitar flor e estava bonita. Gosto dela, apesar de aborrecido por
não ter devolvido a relha metálica do arado que segundo a superstição
tradicional, seria o que ia na ponta do raio e se enterrava na terra, mas que
passados sete anos voltava à superfície.
Visite o blog da autora:
7 COMENTÁRIOS:
Que bom ver a Paula aqui ,ela que conta sempre coisas lindas e interessantes por lá, de Forninhos! beijos às duas,chica
Olá, Anne. Lindo texto. Adoro essas memórias, e adoro histórias de chuvas e tempestades.
Acabo de vir do blog do Rangel Alves, e tem uma linda por la´.
Gostei do estilo da autora!
Não tenho medo de quase nada, mas de trovões tenho :(
Amei o post :)
Indo visitar a autora!
Seguem links estrondosos...rsrs
http://blogdtina.blogspot.com.br/2014/01/de-la-pra-ca.html
http://blogdtina.blogspot.com.br/2013/10/festa-amor-e-devocao.html
http://blogdtina.blogspot.com.br/2012/12/salve-santa-barbara.html
Bom dia minha flor de amiga
adorei ler aqui este texto lindo amo ler estas histórias que quando criança nos faziam tremer nas bases
tal era a emoção que se sentia ao escuta-las um abração Anne com carinho marlene
Olá Minha querida, seu texto me levou ao saudosismo, tenho medo de raios, trovões e chuva forte.Fui vítima de uma tempestade, eu era muito criança e meu pai não conseguia me acalmar, eu estávamos longe de chegar em casa. Mas também tive uma avó que benzia tormentas, era fantástico, pois era visível a separação no céu e quando a chuva caia vinha sem forças. Há tantas coisas em nossa lembrança. Obrigada por compartilhar suas reminiscências. Grande beijo!
Muito bom o texto. Em minha terra, a trovoada dá o seu ar da graça nos meses de novembro a março. E eu esperava ansioso só para ouvir o estrondo nas nuvens e o clarear dos relâmpadas, principalmente, quando era à noite.Coisas de criança!
Abração.
Querida Anne
Foi muito bom reviver o passado!
Agora,nem as trovoadas são como eram!
Estamos a meio de maio e nem sinal delas!
Gosto de ver o risco feito nos céus pelas faíscas !
Já vi raios a cairem sobre a eira, mesmo em frente à casa.Nunca me assustei! Seria ignorância sobre o perigo?!
Parabéns à Paula pelo texto tão autêntico!
Obrigada.
Um beijinho
Beatriz
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