RASTROS DE LAMBARI
(Jorge Lemos)
Sem
poder fazer bonito para a família da namorada, num lugar escasso de
oportunidade na época, Natan decide deixar a cidade para partir rumo a São
Paulo.
A
ligação com eldorado sonhado por ele era feita pela estrada de ferro —, Maria
Fumaça (RMV).
O
dia marcado chegou e a pequena mala ficou pronta. Como se quisesse sentir o
caminhar sobre o brilho negro dos paralelepípedos naquela manhã, ele saiu do
Bar do Juca mais cedo, lugar em que trabalhara até aquele instante. Magro,
cheio de dúvidas, lá seguia ele para a estação Parada Melo.
Imóvel
na plataforma, remexendo o dia anterior, de repente o coração trepidou! Sua
namorada, cuja família os proibia, descobrira que ele estava partindo.
Teve
vontade de falar que sabia do casamento que estavam arrumando para ela, mas se
calou e a abraçou forte. Beijou-a e foi correspondido pela boca feita de amor.
Ficaram
sem palavras, olhando um para o outro, — havia um mal-estar deixado pela
discussão da noite que antecedera aquele momento. O apito do trem passou pela
plataforma e se apagou com o aumento do frio na barriga dele. Olhando-a nos
olhos azuis marejados, trouxe-a para si mais uma vez; foi correspondido, mas
continuou quieta como se fosse uma estátua parcialmente viva.
O
calor da caldeira preta passou devagar bufando vapor pelas ventas laterais e
fez parar na sua frente o vagão de segunda classe. Aconteceu um beijo cheio de
dor e, esmagado pelo silêncio, ele subiu os degraus e parou no último sem tirar
o olhar da plataforma — o tempo encolhido sepultara o diálogo.
O
ar começou a ser socado pelo barulho da caldeira e ranger das ferragens, a
seguir o apito de partida disse a ela que ele estava sendo raptado pelo
destino.
Novelos
de fumaça foram descendo sobre os vagões escorreram sobre os trilhos e
começaram a erguer-se sobre a plataforma. O corpo esguio e amável ergueu o
braço e, como se estivesse defronte a um espelho embaçando-se, a silhueta
delicada apagou-se antes que o trem chegasse à primeira curva.
Dois
anos depois Natan voltou à cidade. O casamento arranjado acontecera e Isabel
mudara-se para o Rio de Janeiro...
Ainda
hoje, quando olha para o que sobrara da plataforma da estação Parada Melo, vê
os olhos azuis marejados, ouve o apito do trem e as palavras que não saíram da
boca feita de amor fazem uma frase suspensa sobre o lago: “não vá!”
Veja o novo livro do autor que será lançado em agosto:
5 COMENTÁRIOS:
Lindo e triste conto.Faltou a coragem de impedir a partida.Agora sobra a tristeza. Lindo! abração e tudo de bom aos dois! chica
Obrigado pelo comentário, Chica. A opinião lúcida nos estimula e faz muito bem para ego (riso).
Espero que o meu próximo escrito traga apenas beleza e alegria...
Tenha um iluminado fim de semana...
abraços
jorge.
Gostei do que li, a história é
linda, triste, mas linda, parabéns
ao autor, beijo
Gostei da amostra. Uma história de uma amor que se perdeu nos trilhos da vida. Parece que ficou algo no ar, o que devia ser dito e não foi, deixa a história mutilada. Haverá outra oportunidade, um dia qualquer?
Um abraço e uma boa semana
Mais uma bela escolha: quem sabe, sabe!
Beijos!
Postar um comentário