DEPENDENCIA
( PAULO FRANCISCO)
Não espere de mim mais do que eu tenho pra dar. Quando a
professora, no final da aula, entregava o boletim, eu ficava tenso, angustiado,
tornava-me pedra pra não revelar a minha aflição. Não queria um dez, não queria
um nove, não queria nada além do possível, bastava-me um boletim azul, pra eu
sair daquele transe mortificado. Vermelho respingado, azul manchado. Tinha,
tínhamos, naquela época, vergonha de uma nota abaixo da média.
Na vida, tentei ter o meu boletim sempre com notas azuis, mas como a escola do mundo é pra sempre, é quase impossível não manchá-lo com alguns respingos vermelho e amarelo.
Como recebíamos o boletim fechado num envelope pardo, o suspense era maior, principalmente quando era entregue pelas mãos da Professora com um ar sério ou de reprovação. Um sorriso dela era o sinal de que não tínhamos ido mal.
Quando cheguei a minha casa e vi seu rosto fechado, seus olhos cabisbaixos, seu andar arrastado, percebi que estávamos abaixo da média. Nossa relação estava no amarelo e há qualquer deslize chegaria ao vermelho. E chegou. Fui reprovado sem o direito de recuperação.
Não entendia a compreensão do amor. Era difícil pra mim, o doar, o aceitar, o resignar. Não entendia que tínhamos que caminhar numa via de mão dupla. Não decodificava; não abstraía. Tudo era erroneamente um todo. Não compreendia as etapas da vida, seguia numa linha reta, sem parada pra descanso, sem parada pra reabastecer a máquina, sem uma revisão de tempos em tempos. Não revisava a vida.
Ah, fui reprovado tantas vezes na disciplina do amor que quase desisti da matéria. Passei um bom tempo afastado da classe. Achava que não era possível acompanhar toda metodologia aplicada. Era complicado decorar todos aqueles termos, conceitos e definições no tempo exigido pelo sistema.
Mas como seguir sem a compreensão da base da vida? Como entendê-la se não vivê-la? E se vivê-la, como aceitá-la?
Tornei-me autodidata. Segui o caminho do construtivismo.
Sigo num aprendizado sem fim. Entre erros e acertos, defino-me, conceituo-me e não chego e nem devo concluir-me, pois a cada dia, há na vida, elementos novos, pra colocarmos a prova. Somos a nossa própria experiência.
Experimento-me.
Não exija de mim, o que eu não tenho para dar.
Se vermelho ou se azul, com ou sem segunda época, o boletim é da responsabilidade de cada um.
Visite o autor: Paulo Francisco
4 COMENTÁRIOS:
otimo diaaa
bjuss
Oi Anne! Que texto maravilhoso do Paulo Francisco. Precisamos ser mais autônomos para não ficarmos na dependência dos outros. Beijos e ótimo fim de semana. Beijos!
Paulo sempre assim.lindo!abração praiano,chica
Ñão conheço o Paulo Francisco, depois de ler poema de tal envergadura vou correndo lá na sua casinha pra conhecê-lopelo jeito estou perdendo muito, obrigada Anne por apresentá-lo, beijos Luconi
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